O presente artigo foi extraído do livro “Victory Through Organization” de Dave Ulrich, David Kryscynski, Michael Ulrich e Wayne Brockbank. Em workshops com líderes empresariais, ouve-se muitas vezes a pergunta: “como dividiria dez pontos entre talento (competências individuais, força de trabalho, pessoas, colaboradores, capital humano) e organização (local de trabalho, capacidades da organização, sistemas, trabalho de equipa, cultura) e qual o seu impacto relativo nos resultados da empresa?”.
As respostas são extremamente díspares, com algumas pessoas a destacarem o talento, outras a darem mais relevo à organização e outras ainda com uma posição neutra.
Realizámos um estudo sobre esta questão junto de mais de 1200 empresas e 32 000 pessoas. Para estas empresas, fizemos uma avaliação tanto da qualidade da organização como das competências dos seus Recursos Humanos. De seguida, correlacionámos estes dois domínios com os resultados financeiros e os resultados para os stakeholders da empresa.
As nossas conclusões encontram-se no Quadro 1. Apesar de outros fatores (como a estratégia, a indústria, a excelência operacional e a cultura) terem impacto nos resultados, conseguimos dividir o impacto relativo do talento e da organização nos resultados da empresa e nos resultados para os stakeholders. Na coluna 1, a organização (31%) tem quatro vezes mais impacto do que o talento (7,7%) nos resultados da empresa e o mesmo se verifica quanto ao impacto para cada stakeholder nas colunas 2 a 7. Estas são conclusões impressionantes e implicam um rácio de 8 para 2 na nossa distribuição dos dez pontos. Embora este estudo tenha sido realizado no seio de departamentos de Recursos Humanos e com profissionais de RH, acreditamos que os resultados se aplicam a outros contextos.
O talento é importante, mas a organização é mais importante. Nos Prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o vencedor do Óscar para melhor ator ou atriz principal é em 20% dos casos o ator ou atriz do filme que ganha o Óscar para melhor filme; no caso dos desportos coletivos (basquetebol, hóquei, futebol), o melhor goleador é o da equipa que vence o campeonato em cerca de 20% das vezes. Os indivíduos podem ser campeões, mas as equipas é que ganham os campeonatos.
Porque é que a organização é mais importante do que o talento para os resultados das empresas?
As organizações geram mais resultados comerciais e resultados para os stakeholders por um vasto conjunto de razões.
Em primeiro lugar, as organizações são mais do que a soma das suas partes, ao alavancarem e multiplicarem as capacidades individuais. Quando as pessoas têm competências complementares e trabalham bem em conjunto, as suas competências coletivas são mais do que o seu talento individual. Desde a roupa que vestimos às escolas que frequentamos ou à comida que compramos, quando as pessoas combinam os seus talentos individuais em capacidades organizacionais, os produtos e serviços excedem de longe o âmbito de uma pessoa individual.
Em segundo lugar, as organizações promovem o bem-estar pessoal ajudando os colaboradores a aprender a trabalhar melhor em conjunto. O isolamento social está mais correlacionado com a mortalidade do que o tabagismo, o alcoolismo, a obesidade ou a depressão. As organizações são sistemas sociais que permitem às pessoas aprender a cooperar, desenvolver talentos, encontrar um sentido de propósito comum, e sobreviver. Desta forma, o desempenho organizacional é superior à produtividade individual.
Em terceiro lugar, as organizações assumem identidades próprias que ultrapassam as personalidades individuais. Organizações duradouras sustentam a mudança que qualquer pessoal pode iniciar individualmente. Quando os clientes compram produtos ou serviços a uma organização (por oposição a um indivíduo), têm uma confiança a longo prazo na sustentabilidade da organização. Os investidores que têm impressões mais favoráveis de uma organização (versus indivíduos) dão à organização um prémio pelo seu desempenho financeiro sustentado, bem como pelos seus ativos intangíveis (estratégia, marca, sistemas operacionais). As organizações sobrevivem aos indivíduos.
O que é que estas conclusões significam para os líderes empresariais?
Para vencer a guerra do talento, os líderes empresariais (com a assessoria dos RH e de outros profissionais) precisam de criar organizações mais eficazes. Chegámos à conclusão que isso passa por três etapas.
Primeiro, redefinir a organização. Se a organização é mais importante do que o talento, o que é a organização? Quando pedimos às pessoas para desenharem uma organização, normalmente obtemos uma forma visual de uma hierarquia em que as pessoas exercem funções com responsabilidades e regras claras a seguir. Infelizmente, esta visão tradicional de uma organização como hierarquia ou burocracia impede que as organizações realizem todo o seu potencial. Como referiu Gary Hamel, o excesso de gestão destas burocracias custou à economia três biliões de dólares. Limita o crescimento pessoal porque os trabalhadores são vistos como estando numa caixa fixa mais do que a desenvolver as suas capacidades ou a sua criatividade.
As organizações de hoje têm menos a ver com níveis e regras e mais com desenvolver capacidades. As capacidades representam aquilo pelo que é conhecida a organização e aquilo que ela faz bem para implementar a sua estratégia e criar valor para os seus stakeholders. As capacidades incluem a forma como a organização molda a inteligência e as atividades humanas coletivas por meio de processos de infraestrutura integrados, estruturas, incentivos, competências, formação e fluxo de informações. Por exemplo, os hotéis Marriott são conhecidos pelo seu serviço; a Apple pela inovação; a Tencent pela experiência do utilizador; a Alphabet pelo acesso e a gestão da informação. Definir as organizações como plataformas de capacidades permite-lhes alavancar as suas capacidades principais e agir de forma rápida para criar e dar resposta às oportunidades do mercado. A capacidade de serviço dos hotéis Marriott ajuda-os a deslocarem-se para as residências para seniores e os clubes de férias. A capacidade inovadora da Apple ajudou-a a criar a categoria dos smartphones (iPhone), que depois levou à música, aos relógios, à experiência de retalho, aos sistemas de pagamento, e assim por diante. A capacidade de gestão da informação da Alphabet permitiu-lhe participar em áreas como os carros sem condutor, as ciências da vida e a aprendizagem automática. A obsessão da Tencent com a experiência do utilizador ajuda-a a ser um player de destaque nos meios sociais, com ramificações nos conteúdos digitais como as notícias, os jogos, a música e os vídeos.
Segundo, auditar as capacidades da organização. Se as organizações são capacidades mais do que hierarquias, quais são as capacidades certas? Os líderes empresariais auditam as capacidades certas para assegurar que a organização cumpre os requisitos atuais e futuros do mercado melhor do que a sua concorrência. Esta auditoria às capacidades divide-se em quatro passos:
Passo Um: Começar por identificar as capacidades organizacionais que uma empresa tem de ter para satisfazer os requisitos dos clientes e dos shareholders. Esta auditoria pode passar por fazer uma avaliação de 360º à organização, recolher requisitos de capacidades junto de colaboradores de todos os níveis e de clientes e investidores atuais e futuros.
Passo Dois: As empresas devem identificar as principais capacidades técnicas que serão necessárias para satisfazer os requisitos do mercado.
Passo Três: Alavancar estas capacidades técnicas e orientar a força de trabalho para resultados baseados no mercado e especificar a cultura da empresa, ou seja, a forma como as pessoas devem pensar e agir em conjunto, de forma a serem consistentes com os requisitos do mercado.
Passo Quatro: Desenhar e aplicar o sistema global das práticas organizacionais para desenvolver as capacidades técnicas principais da empresa e incentivar as pessoas individualmente e coletivamente a pensarem e a agirem de forma que cumpra os requisitos dos seus clientes e dos seus acionistas.
Terceiro, integrar as capacidades da organização através de estratégias de RH. Nas primeiras duas etapas, as capacidades organizacionais e as respetivas métricas baseiam-se nos clientes e em outras condições contextuais. Para criar e sustentar estas capacidades, podemos aplicar cinco categorias de práticas organizacionais:
- Gerir pessoas consiste em integrar as pessoas (p. ex., recrutamento), redistribuí-las (formação, planificação de carreiras) e tratar da sua saída da organização.
- Assegurar a responsabilização e as recompensas inclui a definição de objetivos, a gestão do desempenho, as medidas comportamentais e de resultados, e as recompensas financeiras e não financeiras.
- Criar e divulgar informação inclui tanto o fluxo de comunicações internas como a coordenação, divulgação e utilização de informação externa.
- Criar um quadro governativo do trabalho abrange todas as dimensões da estrutura organizacional, incluindo a diferenciação e integração horizontal e vertical bem como a conceção de processos individuais no contexto da cadeia de valor integrada ao nível de toda a organização.
- Construir a liderança. Por último, mas não menos importante, este aspeto inclui o desenvolvimento e a alavancagem de talento de liderança no curto prazo, assegurando ao mesmo tempo a existência de líderes competentes e orientados para resultados a longo prazo.
Quando estas práticas de organização/RH estiverem alinhadas para criar e desenvolver capacidades, é possível estabelecer a organização certa.
Conclusão:
A guerra dos talentos já decorre há demasiado tempo na maioria das empresas. Está na hora de vencer a guerra mudando o foco da gestão de talento para a criação da organização certa. A organização tem quatro vezes mais impacto nos resultados financeiros das empresas e no valor para os stakeholders. Quando os líderes percebem a importância da organização e adaptam as etapas e os passos que sugerimos, a organização torna-se uma forma de competitividade sustentada.
Por: Dave Ulrich (Universidade de Michigan/RBL Group), David Kryscynski (Universidade de Brigham Young), Michael Ulrich (Universidade do Estado de Utah) e Wayne Brockbank (Ross School of Business/Universidade de Michigan)
Fonte:
Revista Lider – www.lidermagazine.com.pt