Cláudia Lourenço é a primeira mulher na direção-geral da P&G Portugal, empresa que entrou no mercado nacional, há 30 anos, através da compra da Neoblanc. Hoje os seus 130 colaboradores trabalham cerca de 30 marcas.
A atual diretora-geral da Procter & Gamble em Portugal entrou na empresa através de um estágio de verão, quando estava no 4.º ano do curso de Gestão no ISCTE, a que se seguiu o convite para um part-time até terminar a licenciatura. Pouco dias depois de ver a sua última nota na pauta, Cláudia Lourenço, hoje com 44 anos, começava a sua carreira a tempo inteiro na multinacional norte-americana de produtos de grande consumo. Em 22 anos na empresa passou por várias áreas: começou nas vendas, a que se seguiu o trade marketing – com experiência de integração de negócios e organizações resultantes de aquisições como a da Gillette -, liderou a unidade de negócio de fragrâncias, foi responsável pela direção ibérica de operações de vendas, depois pela direção comercial em Portugal, até se tornar a primeira mulher a assumir a direção-geral da P&G em Portugal.
A multinacional, com sede em Cincinnati (Estados Unidos), tem mais de 180 anos de história, mas em Portugal ainda é uma millennial com apenas 30 anos. Conhecida como uma das empresas mais inovadoras do mundo, a sua presença estende-se a diferentes categorias, desde produtos de cuidado do lar, cuidados pessoais e, cada vez mais, na área farmacêutica. As suas maiores marcas são Dodot, Fairy, Pantene, Evax e Gillette, que representam mais de metade das vendas no nosso país e que ajudam a colocar Portugal como um dos seus cinco mercados-chave na Europa e lhe garantem um lugar no top 15 no universo global da companhia.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar na P&G assim que terminou a licenciatura em Gestão e o que a atraiu nessa proposta?
A minha entrada na P&G deu-se, em primeiro lugar, através de um estágio que foi resultado de boas coincidências. Eu estava a estudar, a terminar o 4º ano da licenciatura (na altura em que eram de 5 anos, porque eu já sou uma pessoa “antiga”), era presidente da Associação Internacional de Estudantes (AIESEC), que estava a organizar a ida da P&G ao ISCTE para uma apresentação de recrutamento. No ISCTE, a P&G perguntou a alguns professores recomendações de alunos, e um professor meu acabou por dar o meu nome. A P&G ligou a convidar-me para uma sessão mais restrita, com um grupo de alunos que a empresa gostava que se candidatassem a um estágio. Quando me ligaram até pensei que era por causa da apresentação que a AIESEC estava a organizar. Não estava ainda a pensar concorrer ao mercado de trabalho, mas resolvi aceitar este convite. Depois do estágio de verão seguiu-se a proposta para continuar em part-time enquanto terminava o curso, que acabei a 28 de maio de 1998, e comecei na P&G a 1 de junho de 1998. Na verdade, a oportunidade surgiu sem que eu estivesse à procura, mas ainda bem!
A P&G pratica maioritariamente uma estratégia de desenvolvimento de pessoas e de talento interno, daí que seja muito comum os líderes na P&G terem feito toda a sua carreira na empresa.
É um caso raro de uma carreira feita numa só empresa. O que a manteve na P&G todos estes anos?
Para quem está na P&G, é muito comum verificar que a maior parte das pessoas faz aqui a sua carreira. Na verdade, com exceção de colegas que vieram de aquisições e, portanto, com experiência noutras empresas, a P&G pratica maioritariamente uma estratégia de desenvolvimento de pessoas e de talento interno, daí que seja muito comum os líderes na P&G terem feito toda a sua carreira na empresa.
No meu caso, se o estágio na P&G aconteceu sem planificação, a decisão de ficar, essa sim, foi bem pensada. O que me manteve na P&G ao longo de todos estes anos é exatamente aquilo que me fez entrar após o estágio e que ainda hoje é muito importante para mim.
Primeiro, na P&G sinto que o que faço está ligado com o meu propósito pessoal. Tocar e melhorar a vida das pessoas através da ajuda que as marcas nos dão nos micro momentos do nosso dia-a-dia é relevante para que possamos dedicar-nos e fazer a diferença nos macro momentos com toda a energia. Acredito ainda que o que fazemos importa, mas também a forma como o fazemos importa, e fazê-lo assente em valores como integridade, confiança, paixão por vencer, é mais uma vez coincidente com os meus valores pessoais.Em segundo lugar, na P&G o meu cérebro é desafiado todos os dias; sempre fui tendo funções, projetos e responsabilidades que me tiram da minha zona de conforto e que me fazem aprender. E. finalmente, na P&G o meu coração é tocado também e sobretudo pelas pessoas com quem trabalho, que respeito muito, que admiro, em quem confio plenamente e sei que também confiam em mim, que fazem com que eu goste de ir trabalhar, com quem me divirto, com quem me preocupo e por quem tenho grande carinho.
Ora, se a alma, o cérebro e o coração estão bem e são desafiados e estimulados, então sou feliz na P&G.
Qual o maior desafio profissional que enfrentou e o que aprendeu com ele?
Gostei muito de todas as integrações de negócios e de pessoas que fizémos ao longo dos anos, fruto de aquisições, como a Gillette, por exemplo, e mais recentemente a Merck CH. A transformação da visão, do negócio e da organização da P&G Portugal que estamos a levar a cabo também tem sido uma grande aventura. Destaco também o tempo em que liderei a divisão de P&G Prestige (perfumes). A P&G Prestige nasceu como resultado de uma aquisição, e eu, vinda da segunda licença de maternidade, aceitei este desafio. Não conhecia as pessoas, não conhecia os clientes, não conhecia as marcas, não recebi nenhuma passagem de pasta, porque a pessoa que estava à frente deste negócio não integrou a P&G aquando da aquisição. No fundo, depois de 10 anos de trabalho realmente não sabia nada ao entrar neste novo projeto. E que grande oportunidade que tive! Foi uma viagem pessoal e em equipa, que me ensinou que, para liderar, o importante é imaginar, sonhar e fazê-lo acontecer com as pessoas, pelas pessoas e servindo as pessoas.
No outro dia ouvi uma frase gira: nós somos anões aos ombros de gigantes. Há muitos gigantes inspiradores à nossa volta na nossa vida.
Que características e hábitos a conduziram à liderança da P&G?
É uma boa pergunta e ao refletir na mesma, creio que são as características que a própria P&G procura desenvolver em cada um de nós, que vão desde o nosso espírito de liderança, procura incessante por fazer de forma mais inovadora e criativa, ao mesmo tempo que somos capazes de trabalhar em equipa e desenvolver os nossos colegas, e que nos dedicamos todos a fazer as coisas acontecer, a executar com excelência.
Qual o seu estilo de liderança?
O que procuro ter como estilo de liderança é estar ao serviço das pessoas: para as inspirar, para as ajudar, para trabalhar lado a lado, para aprender com elas, para que as decisões sejam tomadas por quem realmente sabe do tema, para as ouvir genuinamente e mudar de rumo se for caso disso, para atingir e celebrar resultados.
Tem algum líder que a inspire?
Que bom que na vida podemos ter muitas pessoas que são verdadeiras líderes inspiradoras! Os meus pais, que me deram todas as oportunidades, o meu marido que todos os dias me inspira, os meus filhos que são uma permanente fonte de sabedoria e felicidade, os amigos e colegas que, com pequenos gestos e palavras, me tocam. No outro dia ouvi uma frase gira a esse respeito: nós somos anões aos ombros de gigantes. Há muitos gigantes inspiradores à nossa volta na nossa vida.
O que mais gosta na sua função de diretora geral?
Ter a oportunidade de criar uma nova visão para o negócio e para a organização da P&G em Portugal e transformar essa visão em realidade com uma grande equipa tem sido um privilégio e um prazer. Um tempo de grande aprendizagem, de muitas mudanças, de muito trabalho em equipa, de sonhar e de entregar resultados. Gosto sobretudo que este sonho e esta aventura sejam partilhados com todas as pessoas da P&G em Portugal e que, para elas, a nossa companhia seja um local onde se realizam, atingem os seus resultados e são felizes.
O talento é o critério valorizado para crescer na P&G, combinado com as escolhas e preferências pessoais.
A P&G é uma das melhores empresas-escola do mundo e por isso muito desejada para trabalhar. Que skills procura quando recruta um potencial diretor?
Maioritariamente fazemos recrutamento para níveis de entrada e a partir daí ajudamos as pessoas a desenvolverem-se na organização. Assim, quando estamos a recrutar, em cada uma das entrevistas que fazemos, procuramos as características que consideramos serem fatores de sucesso ao longo de toda a carreira: liderança, inovação, trabalho em equipa, capacidade de executar com excelência.
Quais as principais políticas da empresa para atrair e reter a próxima geração de líderes?
A P&G é uma empresa que realmente investe no desenvolvimento do talento e formação das suas pessoas que, desde o primeiro dia, têm real responsabilidade sobre os seus projetos. Se a isso juntarmos o facto de a P&G desenvolver a sua atividade assente no propósito de melhorar a vida das pessoas todos os dias, com valores muito fortes a enquadrar a forma como levamos a cabo esse propósito, é também um grande atrativo para as tão promissoras gerações que cada vez mais buscam guiar a sua vida em função de propósitos e valores. Poder fazer tudo isto, ao mesmo tempo que são parte de uma empresa que tem um impacto positivo nas comunidades onde se insere, através de programas corporativos como a parceria que acabámos de fazer com a Cruz Vermelha, ou através de marcas como Dodot que doam fraldas para bebés prematuros, é também de uma relevância enorme na atração de jovens talentos. Se ainda juntarmos as políticas de diversidade e inclusão, promoção da igualdade de género e flexibilidade, então acreditamos que estão reunidas as condições para continuarmos a ser atrativos na hora da escolha na entrada do mercado de trabalho.
Quais as principais medidas que a empresa tem tomado para garantir igualdade de oportunidades a todos os colaboradores?
Há duas grandes áreas que se alinham no que concerne a promoção de igualdade de oportunidades para todos os colaboradores: o talento é o critério valorizado para crescer na P&G, combinado com as escolhas e preferências pessoais. Assim, todos sabemos que o talento é independente, por exemplo da nacionalidade, do género, do percurso profissional que cada um foi tomando, de escolhas de orientação sexual, entre outras diferenças que todos temos uns dos outros. Ao mesmo tempo, também sabemos que somos nós quem faz as suas escolhas pessoais, e que as mesmas serão totalmente respeitadas e enquadradas; por exemplo, manter-se no país ou mudar, gerir o dia-a-dia com flexibilidade para equilibrar a parte pessoal com a parte profissional, tirar uma licença de parentalidade por parte da mãe ou do pai.
Todas as pessoas no trabalho sabem como é a minha vida em casa e é muito fácil dizer que tenho de ir a 4 festas de Natal nas escolas, pois a equipa P&G ajuda no que eu precisar. O inverso também é verdade: se estou fora em trabalho, a família sabe como é a minha vida na P&G e existe partilha e ajuda em casa.
Como mãe de 4 filhos e diretora geral de uma grande multinacional em Portugal o que diria a uma mulher que duvida que carreira e filhos sejam conciliáveis?
A primeira coisa que digo é que felizmente há cada vez menos padrões ou fórmulas únicas para se ter sucesso. Cada pessoa tem a sua própria definição de sucesso e tem os seus próprios pontos fortes e mais valias, e é nessa diversidade que todos ganhamos. O que eu faço funciona para mim, e cada pessoa, cada mulher tem de encontrar o que funciona para si.
Como é que eu olho para esta minha realidade de estar a liderar a P&G em Portugal e ter 4 filhos? Em primeiro lugar, não me comparo com nenhuma pessoa que faça “só” uma destas coisas: que esteja “só” a liderar uma organização, ou que esteja “só” a ser mãe de 4 filhos. Nunca conseguirei fazer tão bem o que essas pessoas que estão a fazer “só” isso fazem – lá está, eu estou a conciliar! Podemos fazer ambas as coisas? Sim, claro, e dar ainda um tempo para voluntariado e ir ao ginásio também. E como?!? Ora, da forma que eu pessoalmente mais gosto: em equipa, partilhando, ajudando e pedindo ajuda. Todas as pessoas no trabalho sabem como é a minha vida em casa e é muito fácil dizer que tenho de ir a 4 festas de Natal nas escolas, pois a equipa P&G ajuda no que eu precisar. O inverso também é verdade: se estou fora em trabalho, a família sabe como é a minha vida na P&G e existe partilha e ajuda em casa.
O que faz no seu dia a dia para abrir caminho para que mais mulheres cheguem a funções de liderança?
Na P&G, como é o talento que conta e as escolhas pessoais são levadas em consideração, independentemente do género, tudo está mais equilibrado para todas e para todos. Mas não basta fazê-lo dentro da P&G, sabemos que a igualdade de oportunidades para homens e mulheres não é a mesma em todo o lado, pelo que, quer de forma corporativa (ex: #WeSeeEqual), quer através das nossas marcas (ex: Evax InspirA-te), temos um papel muito ativo nesta matéria.
O que gostaria que alguém lhe tivesse dito no início da carreira e que só aprendeu depois?
É um enorme privilégio trabalhar numa empresa que se foca tanto em desenvolver as suas pessoas e por isso nos dá tanto feedback. Todos os dias, desde que comecei a trabalhar, chefes e colegas sempre me disseram o que estava a fazer bem e o que precisava de fazer melhor, e mais, eu peço esse feedback constantemente. Se calhar poderia ter tido ainda mais informação no início? É possível, mas eu estive grávida quatro vezes, nunca foi importante para mim saber se estava grávida de uma menina ou de um menino, está provado que também gosto de surpresas. A propósito, por ordem, nasceu primeiro o David, depois o Pedro, depois o João e, por fim, a Ana.
Que conselho deixaria a uma jovem executiva com ambição de chegar a funções de liderança?
Descobre o que é que te faz feliz e avança, sendo sempre fiel a ti mesma. Considera que a vida é só uma, não existe “vida pessoal” e “vida profissional”, existe vida e o importante é que, nos vários papéis que tens, consigas fazer essa descoberta avançando fiel a ti mesma.
Fonte: www.executiva.pt
Cláudia Lourenço: “Liderar é estar ao serviço das pessoas”