É comum alguém deixar de beber leite porque acredita que faz mal e que não deve ser ingerido na vida adulta ou porque associa o consumo de leite a sintomas gastrointestinais. Além disso, a diversidade da bebida é tanta que é difícil saber a mais indicada para cada um. Este artigo ajuda a desmistificar algumas ideias sobre o leite
Leite meio gordo, magro, sem lactose ou bebida vegetal de aveia, soja, amêndoa, coco ou arroz: a oferta de leite e bebidas vegetais na estante do supermercado é cada vez mais variada e o difícil mesmo é saber qual a opção que mais se adequa às nossas necessidades. Apesar da diversidade na oferta, há duas opções em específico que reúnem o consenso dos especialistas em nutrição contactados pela CNN Portugal. Antes de mais, importa distinguir leite de origem animal e bebidas vegetais e desmistificar a ideia muitas vezes difundida pelas marcas de que um copo de leite é nutricionalmente equivalente a um copo de bebida vegetal.
O leite é uma fonte importante de cálcio e é rico em proteínas e vitaminas, como a vitamina D, que contribuem para a fortalecer a imunidade. Já a bebida vegetal, segundo a nutricionista Conceição Calhau, é um conjunto de “diferentes alimentos”, pelo que “não deve ser vista como substituto” do leite. “Os alimentos não se substituem entre si mas, no abstrato e em formato de facilitador de trabalho, pode ser linguagem comum utilizar o termo ‘equivalente’”, explica à CNN Portugal a também professora catedrática da NOVA Medical School, que diz ser contra esta mensagem de produtos “equivalentes”.
O mesmo defende a nutricionista Andreia Ferreira, coordenadora da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Lusíadas de Lisboa. “As pessoas podem sempre trocar [as bebidas vegetais por leite], mas devem ter em atenção que um copo de leite não é equivalente a um copo de bebida vegetal de amêndoa”.
Para a nutricionista Conceição Calhau, o leite e a bebida vegetal só podem ser considerados equivalentes quando a segunda tem adição de cálcio – em regra, esta adição será “na mesma concentração da presente no leite de vaca (1200 mg/L)” – mas “não existe certeza sobre a biodisponibilidade do cálcio neste tipo de matriz alimentar”, esclarece.
Nesse sentido, a nutricionista Andreia Ferreira lembra que o cálcio não é um elemento exclusivo do leite, estando presente em alimentos como a amêndoa, que é o fruto seco com “maior teor de cálcio”, bem como nos brócolos ou até na couve-galega, entre outros.
O consumo de bebidas vegetais em detrimento do leite deve ser por isso uma escolha “consciente e informada”, algo que nem sempre acontece, de acordo com a nutricionista Conceição Calhau. É comum, por exemplo, alguém deixar de beber leite porque acredita que faz mal e que não deve ser ingerido na vida adulta ou porque associa o consumo de leite a sintomas gastrointestinais e, por isso, diz-se intolerante à lactose. Ora, neste último ponto, a nutricionista recomenda a procura por um profissional de saúde porque esta pode ser uma forma de o intestino “estar a dar sinais de pedido de ajuda”.
A função cognitiva das crianças
A verdade é que não beber leite, seja por que razão for, pode ter consequências para a saúde a vários níveis, desde logo na deficiência de iodo, um nutriente essencial para a tiróide e, portanto, para o desenvolvimento cerebral do feto. Sobre esta questão, Conceição Calhau destaca o papel do projeto IoGeneration, do qual fez parte, e que demonstra como as crianças portuguesas em idade escolar, dos 6 aos 12 anos, que consomem menos leite têm mais deficiência de iodo, “o que compromete a função cognitiva”, diz.
Deixar de consumir leite também está associado à deficiência de vitamina D, essencial para o normal funcionamento do sistema imunitário e para a absorção intestinal de cálcio e fósforos, entre outros. Além disso, o nível do aporte de cálcio, fundamental para a saúde óssea, também fica comprometido com o abandono do consumo de leite. “Infelizmente só se fala neste tema na idade mais avançada e, no caso das mulheres, só na menopausa”, lamenta Conceição Calhau, lembrando que “avaliar a densidade mineral óssea na menopausa pode querer dizer que a mulher teve uma osteopenia [perda gradual de massa óssea] silenciosa”.
Por isso, se sempre bebeu leite de origem animal e nunca teve quaisquer problemas alérgicos ou do foro intestinal, a nutricionista Helena Cid, da biotecnológica Heartgenetics, diz não ver quaisquer razões para deixar de o consumir. Ainda assim, a nutricionista entende que esta pode ser uma preferência individual e, nesse caso, as escolhas devem ser bem ponderadas.
Qual a melhor bebida vegetal e qual o melhor leite
Conhecidas as consequências associadas ao abandono do consumo de leite, é altura de tomar uma decisão. Entre as bebidas vegetais, o leite de soja é o que reúne mais consenso entre os especialistas contactados pela CNN Portugal, uma vez que é a opção que mais se aproxima do leite do ponto de vista nutricional.
O médico Pedro Lôbo do Vale, presidente da Associação Portuguesa de Alimentação Racional e Suplementos Alimentares, realça que a bebida de soja tem menos gorduras saturadas do que o leite de origem animal e contém aminoácidos essenciais. Além disso, acrescenta, as isoflavonas da proteína de soja são um composto “interessante” para as mulheres, uma vez que este é um suplemento natural que tem uma ação semelhante ao estrogénio e que pode melhorar os sintomas da menopausa e da Tensão Pré-Menstrual [TPM].
A nutricionista Conceição Calhau recomenda ainda as bebidas vegetais que contêm baixos teores de açúcar, sem açúcar adicionado e sem adição de adoçantes não calóricos, como aspartame, sucralose, acessulfame-K, entre outros. Além disso, devem ter adição de cálcio, como mencionado acima.
Já em relação ao leite de origem animal, as nutricionistas contactadas pela CNN Portugal recomendam a preferência pelo leite magro ou meio gordo. Segundo Helena Cid, um adulto saudável “deve preferir sempre leite magro”, uma vez que a gordura do leite animal é uma gordura saturada, que está associada ao aumento dos níveis de colesterol.
Contudo, e porque o leite magro não contém vitamina A nem D, a nutricionista Conceição Calhau indica que, em termos populacionais (portanto, não individualizados), deve haver uma maior preferência pelo leite meio gordo e não magro.
E para os mais novos?
O cenário é ligeiramente diferente para os mais novos. Isto porque, para as crianças até aos três anos, não é recomendado o consumo de bebidas vegetais, uma vez que estes menores “precisam do teor de gordura e do cálcio que está associado ao leite de origem animal”, justifica a nutricionista Andreia Ferreira.
.
Texto originalmente publicado em www.cnnportugal.iol.pt