A relação entre os humanos e a tecnologia tem sido, provavelmente desde sempre, marcada pela fascinação e pelo temor. A tecnologia fascina-nos. Basta entrar nas cadeias de distribuição que um dia vendiam bens culturais para perceber que se especializaram na venda de tecnologias, desde smartphones e computadores a bimbys e câmaras digitais. As tecnologias geraram a sua própria lógica cultural, com linguagens e práticas complexas.
Por outro lado, a tecnologia assusta-nos. As novas tecnologias de produção assistida por Inteligência Artificial ameaçam dizimar postos de trabalho. Um mundo de enormes empresas laborando 24/7 sem esforço humano constitui um cenário realista e, aliás, já praticado. Precisamos de dinheiro para comprar as tecnologias que amamos, mas as tecnologias ameaçam retirar-nos o salário de que necessitamos para comprar essas tecnologias.
Para onde nos levam, então, as tecnologias? Alguns observadores, entre os quais as empresas de consultoria, descortinam um mundo de oportunidades. A produtividade vai aumentar e isso vai alargar o espectro de necessidades e de possibilidades. As pessoas poderão dedicar-se a trabalhos mais genuinamente humanos e compensadores. Outros, entre os quais nomes importantes do setor tecnológico, como Bill Joy, alertam para o risco de um “robocalipse”.
A realidade mais próxima poderá estar algures no meio. A revista The Economist, consultando especialistas, afirmava que será necessário mais de um século para as máquinas ultrapassarem os humanos em tarefas não estritamente programáveis. A ser assim, o mundo vai mudar, mas a mudança poderá ser mais gradual do que se imagina. A distopia deverá esperar. Por outro lado, o mundo utópico em que a quantidade de horas de lazer e de sociabilidade regressará aos níveis de um mundo de caçadores recoletores também terá de esperar.
Como dizia o mesmo número da The Economist (especial “The World in 2018”), aquilo que a tecnologia dá com uma mão tira com a outra. Veja-se o caso dos smartphones e dos computadores. O acrescento de flexibilidade que proporcionam, nomeadamente a possibilidade de trabalhar remotamente, é complementado com expectativas de disponibilidade permanente. Esse é o paradoxo da tecnologia: ao ajudar a encontrar soluções destapa novos problemas. Tem sido assim, é provável que assim continue a ser.
Por Miguel Pina e Cunha, diretor revista Líder
Fonte: www.lidermagazine.com.pt