Os Millennials e geração Z procuram o equilíbrio entre vida e trabalho, mas o mercado laboral português não tem dado a resposta certa. Dizem amar Portugal, mas acabam por se sentir obrigados a abandoná-lo. Aqui contamos-lhe cinco histórias que nos chegaram
Têm “mente aberta,” mas sentem-se “emocionalmente angustiados”. Preocupam-se com o trabalho, mas dão prioridade a um jantar com os amigos ou a uma viagem ao estrangeiro. Sentem-se num mercado de trabalho precário, instável e injusto. A experiência das gerações mais jovens – os chamados Millennials e Geração Z – reflete-se num dilema que se aprofundou com o brutal aumento de preços dos meses mais recentes.
Quando o Expresso, há algumas semanas, procurou retratar a nova realidade dos jovens em Portugal recebeu dezenas de histórias e testemunhos – ou simplesmente desabafos – que lhe davam corpo, rostos e humanidade. Aqui contamos a história de cinco desses jovens, cinco histórias que se ligam porque são cinco exemplos do desequilíbrio laboral. Eis essas histórias, pelas palavras dos protagonistas.
EVA MEIRA: “NUNCA ME PERGUNTARAM SE CONCORDAVA OU PODIA MUDAR O HORÁRIO”
“Depois de já ter trabalhado em várias lojas ainda não consigo perceber como é possível tratar da casa, descansar e ter vida social. Para mim só é possível escolher uma dessas coisas. Por isto, decidi procurar um emprego num call center, em teletrabalho. É um emprego de sonho? Não, de todo, mas poupo o tempo das viagens e o tempo do almoço para fazer o que para mim é importante.
O trabalho em loja é miserável: por mais que o façamos além das nossas competências, por mais que aceitemos tudo o que os patrões querem, o fim é o mesmo: mesmo sendo ilegal, estes não renovam contratos. Não renovam à melhor vendedora porque, dizem, “está de trombas” para a responsável (porque trabalhou um mês sem nunca saber quando ia ter folga).
Trabalhando em loja já me puseram a arrancar ervas da rua – e ainda ouvi a responsável dizer “gostava de ajudar, mas a minha posição não me permite”.
Na mesma loja trabalhei por turnos quatro dias por semana e aí dava para ter vida. Mas, quando a loja mudou a localização, passei a trabalhar cinco dias até às 19h ou até às 20h, era conforme lhes apetecia, o horário mudava regularmente ao ponto de nem os clientes perceberem. Nunca me perguntaram se concordava ou se podia mudar o horário nesta nova loja. Até me baixaram o salário por já não fazer o turno da noite, sempre sem uma informação.
Eu podia fazer uma lista imensa das ilegalidades que aceitei, mas no fim uma pessoa só pede consideração e trabalho reconhecido (ainda que seja pela pessoa que não tem poder nos despedimentos). E assim se cria uma interminável sucessão de funcionárias novas.”
MARIA CARLOTA PEIXOTO: “TODOS ESTES CASOS E ORIGENS DE SUCESSO SÃO SIMPLES FONTES DE PREOCUPAÇÃO E ANGÚSTIA”
“Sorte, berços de ouro, trabalho e outras realidades quiméricas. Com a quantidade de conteúdo a que hoje temos acesso (desde entrevistas a podcasts, blogues a redes sociais), é impossível não conhecer, diariamente, mil e uma histórias de sucesso, contadas por mil e uma pessoas de mil e um contextos. No entanto, no final a história é a mesma: chegaram onde chegaram por “sorte” (algo como estarem a andar na rua e “puff, fez-se chocapic”), pelo seu assumido “privilégio” (que arrogam propositada e antecipadamente, não vão os comuns mortais dizer que, feitas as contas, pouco mais não são que o reflexo de um berço de ouro) ou, não raras vezes, por efetivamente terem trabalhado para isso (sim, estamos todos a pensar no Cristiano).
Acontece que, para a grande parte da geração de hoje, todos estes casos e origens de sucesso são simples fontes de preocupação e angústia.
Vejamos.
Sorte: “cada um tem a que merece” e parece que o Pai Natal tem o nosso nome escrito a tinta permanente na lista anual de malandros. De qualquer das formas, não nos podemos queixar, já que, bem vistas as coisas, temos um tecto (ainda que seja um quarto num T5 sem sala e com uma casa de banho), saúde (se não abrirmos a porta à discussão da saúde mental, cujo nome não deve ser pronunciado) e um trabalho (que provavelmente chega justinho para pagar a renda do quarto e ir jantar fora uma vez por mês, mas só se o rei fizer anos). Por outro lado, todos aqueles que estão, efetivamente, à procura de sucesso, já há muito que perceberam que não vale a pena esperar pelo golpe de sorte, por isso, esta opção não vale.
Berços de ouro: uma simples pesquisa no Google diz-nos que, em Portugal, em 2020, “a parcela restrita dos 1% mais ricos detinha 20,1% da riqueza do país”. Zero motivador.
Trabalho: o cerne da questão, que retira da equação todos os que estão à espera da sorte e os berços de ouro. Mas para a nossa geração (falo da geração no “início” da carreira profissional, vulgo, os que estão a navegar no mar de incerteza e insatisfação que é a “descoberta do que quero fazer da minha vida”), o problema começa no facto de termos de pagar a renda do quarto no T5, o que deixa pouca margem para lidarmos com as verdadeiras velhas (ou novas?) questões: “Para que é que estou a trabalhar?”; “O que é, para mim, sucesso?”; “O que é que me vai fazer sentir feliz/concretizado/completo?”. São, verdadeiramente, velhas questões, sendo que esta geração de que falamos, tem vindo a desenvolver-se numa sociedade que (felizmente) evoluiu do período normal de trabalho 80 horas semanais, para o tão famoso tema do “work-life balance”, ou seja, conciliação entre a vida profissional e pessoal (que até agora era “só” um direito especificamente previsto e impecavelmente ignorado no Código do Trabalho).
Novas, já que se falarmos destes temas aos nossos pais (e, possivelmente, aos nossos chefes), a tradução é que não queremos trabalhar, não sabemos o que queremos, somos mimados, indolentes e até irresponsáveis, porque o que importa é ter trabalho! A verdade é que hoje, muito graças ao fenómeno do teletrabalho (que permitiu a muitos conhecer a vida para além das 8h diárias no escritório, com a consequente descoberta do pão caseiro de massa mãe, das aulas de fitness no Youtube ou do pôr a roupa a lavar entre reuniões no Teams), que por sua vez conhecemos graças à pandemia (que levou muitos outros a perder/repensar os seus empregos, com a consequente descoberta da sua real vocação e abertura de negócios), as prioridades mudaram.
E foi essa mudança de paradigma, estejamos nós num patamar mais “radical” ou mais comedido do espectro, que nos tornou mais exigentes, não só com a sociedade no geral, mas connosco próprios. De facto, a pandemia e todas as suas consequências foram, para todos, uma chapada de luva branca de realidade, que “desentorpeceu” várias vertentes do nosso dia-a-dia, sendo a vertente profissional apenas uma delas. Todos os sonhos, vontades e anseios, que estavam guardados numa gaveta muito insignificante do nosso disco rígido (que provavelmente nem sabíamos que existia), saíram disparados em menos de alguns meses, e são hoje alimentados por todas essas histórias de sucesso e realização.
E o problema é mesmo esse. Em pouco tempo, esta geração compreendeu não só que está desencontrada (com o seu futuro, com as suas escolhas, com as suas indecisões e com os seus direitos), mas que o mercado está cada vez mais competitivo. Não sendo isso suficiente, esse mesmo mercado é cada vez mais governado pelo famoso FOMO (“fear of missing out”, que se traduz genericamente no medo de perder a oportunidade ou de ser posto de lado) e pela tão moderna “síndrome do impostor”, tudo conceitos que, uma vez mais, só servem para nos assustar.
Não sabemos que (tipo de) trabalho nos fará atingir o tão desejado patamar de realização e o tão utópico work-life balance que, hoje, precisamos mais do que o jantar fora mensal (que era há uns meses razão suficiente para irmos trabalhar); queremos ser competitivos, mas queremos ter uma vida para além da competição; não queremos perder a vida, mas sabemos que, fosse verdadeiramente uma competição, estaríamos na subdivisão; sofremos da síndrome do impostor, mas sabemos que estamos todos no mesmo barco; queremos fazer tudo diferente, mas com o quarto no T5 para pagar, arriscar é, verdadeiramente, arriscado.
Somos a geração que medeia a geração do trabalho para a vida – para quem a realização pessoal se concretizava na estabilidade – e a geração que não conhece outra realidade que não a do trabalho remoto, da recompensa imediata e do “quiet quitting” (a versão 2.0 do que, para nós, é ainda a realidade quimérica do “work-life balance”).
E temos uma última questão: se queremos mais do que “apenas” estabilidade, mas tão-pouco compreendemos a volatilidade da nova e tão exigente geração, teremos ainda algum lugar a ocupar no meio?”
ANÓNIMO: “CHEGUEI A CASA E SÓ ME APETECIA CHORAR POR NADA FAZER SENTIDO”
Esta semana tem sido um pequeno inferno. Não sei quantas vezes exteriorizei que queria mudar de emprego, outras tantas que gritei frustrada e outras tantas que cheguei a casa e só me apetecia chorar por nada fazer sentido.
O que mais me irrita é que eu adoro o que faço, gosto mesmo! Mas cá na empresa é a típica gestão em que apenas o patrão tem palavra sobre o assunto.
Faço o meu trabalho, com toda a dedicação, mas quando chega a altura de tomar decisões importantes que envolvem a minha área, estas decisões são tomas pelo patrão – pessoa que não tem formação na área, que tem ideias antiquadas e que não permite a ninguém pôr em prática as suas ideias.
Ao tentar expor as minhas ideias e opiniões só ouço “não! isto está mal! eu é que sei!”. Por várias vezes percebi que estava errado e tive que explicar-lhe a forma correta de se fazer.
DÉBORA GUERREIRO: “A IDEIA DE FAZER SEMPRE O MESMO É AGONIZANTE”
Já não sou assim tão jovem, mas sou Millennial. Identifico-me completamente com a ideia de que já não existem trabalhos para a vida. Não os queremos, sequer. Não que não se pretenda alguma estabilidade, mas a ideia de fazer sempre o mesmo é agonizante.
A nossa geração foi a segunda a ir em força para a Faculdade, devido à democratização do ensino. Ensinaram-nos que podíamos ser o que quiséssemos para esbarrar numa “coisa” chamada mercado. Mas a ânsia pela contínua aprendizagem ficou. Não se pode esperar que um Millennial se contente. Pode acontecer, mas por uns anos.
Creio que a Geração Z está a concluir o empurrão que demos. Não têm, no geral, amarras ou tantos receios. E isso é bom para ousar, para criar novos negócios.
Espero que a simbiose se concretize em pleno: os jovens (ou não tão jovens) a adaptarem-se, mas com as empresas a adaptarem-se também, reconhecendo-lhes as aptidões diferenciadas, ao invés de colocá-los de lado. Sei do que falo.
Por fim, só não me reconheço no teletrabalho. Questões de personalidade e questões de sociabilidade. Quando estivermos todos fechados em nossas casas, curvados numa cadeira e de roupão, quem sobrará nas ruas?”
RÚBEN PAULINO: “SE NÃO ESTOU FELIZ, ENTÃO BUSCO O MEU PRÓPRIO CAMINHO”
Ninguém sai do sítio onde se sente bem, acho que a música do Pedro Abrunhosa – “Para os Braços da Minha Mãe” seria uma boa banda sonora para acompanhar o início desde email. Por outro lado, somos descendentes dos Descobridores, sair em busca de algo novo está na nossa identidade enquanto portugueses. O que quero dizer é que o sentimento de sair do nosso País por obrigação é diferente do sentimento de sairmos livremente à aventura. Pois as contas para pagar, os sonhos para concretizar que teimam em ficar para segundo plano, o Tic Tac do relógio que não pára e da pressão da sociedade atual são fatores mais que suficientes para influenciar a nossa forma de estar na vida e por sua vez de nos levar à tomada de decisões. Mas sem divagar mais, vou tentar ser conciso no discurso.
Eu sou o Ruben, um Enfermeiro de 34 anos e de momento a viver numa cidade na Confederação Suíça. Desde 2014 deixei Portugal rumo ao desconhecido.
Tinha terminado a minha licenciatura em Enfermagem no ano 2013 e o nosso país atravessava um período bastante conturbado, eu sem perspectivas de emprego e de poder iniciar a minha vida adulta, vislumbrei o futuro ainda com mais incertezas. A angústia era tremenda, sentia uma enorme ansiedade por não poder seguir o rumo da independência. Por outras palavras, ganhar o meu salário e não dar justificações aos meus pais ou a quem quer que fosse sobre a minha vida, pois hoje posso dizer que não há sentimento melhor que poder ser independente, ter o meu espaço sem ter que viver em casas partilhadas, seja essa partilha no âmbito familiar ou simplesmente com outras pessoas. Ter o privilégio de ter um emprego, por consequente poder pagar as minhas contas e poder dizer a palavra independente.
Mas apesar dos seus pontos muito bons há obviamente pontos menos bons. Estarmos sozinhos e por conta própria acarreta solidão, mas tudo tem um preço e perante o menos positivo há que encontrar ferramentas para ultrapassar as dificuldades. Inicialmente fiz o recrutamento com uma empresa alemã, que recrutava enfermeiros qualificados, mas a um custo mais baixo – muitas promessas, mas uma realidade dura. O primeiro ano na cidade de Hamburgo foi um ano difícil, até receber o reconhecimento do título profissional, ganhava menos, mas trabalhava o mesmo. O idioma era horrível e o tempo ainda mais. As condições de trabalho deixavam um pouco a desejar e as saudades apertavam ainda mais, as lágrimas corriam, mas apesar das dificuldades, o idioma melhorou e as saudades apesar de existirem também se tornaram cada vez menos.
Foi um ano para me conhecer melhor, para aprender a desenvencilhar-me num país que me era completamente alheio, pelo qual não sentia muita afinidade, mas tal como o ditado, primeiro estranha-se, mas depois entranha-se. E apesar da barreira cultural associada ao facto de ter uma profissão que é amada e “desprezada“, dividida em turnos loucos, ter que lidar com a frustração por falta do reconhecimento social e sobretudo lidar com o facto que esta profissão me retirar a oportunidade de não ter muito tempo para formar novas amizades, de ter que lutar por uma vida social normal por assim dizer, apesar disso, não há nada mais auxiliar que mudar a nossa perspectiva de ver o mundo e em vez de ver o copo vazio, vê-lo bem mais cheio e a partir desse mote tudo muda na nossa vida.
Esta profissão permite-me dar o melhor de mim e contribuir para o bem-estar de alguém. O meu papel é tão importante como o de um médico ou de outro profissional de saúde. Não há nada mais gratificante do que poder ver alguém recuperar de um AVC e ver esse indivíduo ganhar a sua autonomia. Ou seja, apesar de um país estranho e de uma profissão atribulada, aprendemos a viver sozinhos e adaptamo-nos a uma nova realidade. Abrimos a nossa mente, as nossas fronteiras e propomo-nos a conhecer algo novo. Pois, apesar de ter uma licenciatura reconhecida, a estrutura Alemã ou a Suíça são bem diferentes. Nós somos estrangeiros lá fora e se queremos ver reconhecimento temos de trabalhar bem mais para mostrar o nosso valor. Na Suíça as condições de trabalho são bem melhores que na Alemanha ou que em muitos outros países.
Mas retomando o tema, independência vs Migração: sair de Portugal foi o melhor que me podia ter acontecido.
Deixei uma vida para trás, é um facto, as amizades redefinem-se, mas as verdadeiras permanecem. A família passa a ter um papel mais à distância, mas sempre no coração. E o melhor de tudo é podermos auxiliar a nossa família.
Hoje tenho um trabalho com perspectiva, tenho independência. E essa liberdade é maravilhosa. O meu hobby é viajar, o meu maior prazer. Em pequeno a minha mãe não me dava brinquedos, mas em vez disso, eu tinha na estante enciclopédias sobre os países do mundo. As janelas da minha casa eram pequenas, mas eu através delas via o mundo todo. Hoje já conto com mais de 20 países na lista. Acordar em Amesterdão e adormecer em Roma. Vislumbrar as auroras boreais no norte da Noruega e seguir apenas com uma mala de mão para Cuba. Viajar de mochila às costas pelo Peru e Bolívia ou nadar nos recifes de corais nas Maldivas. A minha mãe desde cedo me preparou para ser autónomo e, apesar das incertezas da vida, dos muitos medos, nunca deixar de viver. Porque ambos acreditamos que nascemos para sonhar e sermos felizes no nosso caminho. Sei que ela estaria mais contente comigo por perto, mas sei que ela está bem mais feliz se o seu filho também estiver Feliz e realizado pessoalmente ou profissionalmente.
Com tanta conversa, quero dizer que não há liberdade maior do que ter a liberdade de escolha. Se não estou feliz, então busco e procuro o meu próprio caminho.
Imigrar foi a melhor decisão: nem tudo são rosas, mas o proveito é muito maior que o desproveito. E embora o meu amor por Portugal não seja correspondido, vou amar Portugal para sempre, pois é parte da minha identidade, mas sobretudo aprendi a amar-me mais a mim mesmo. Pois eu tenho o direito de sonhar com uma vida melhor. E com isto me despeço. Já agora, podíamos colocar a música de Giant (Calvin Harrys with Rag’n Bone Man) para terminar.
Texto originalmente publicado em www.expresso.pt